O cheiro azedo dos grãos que cobriam a grama em volta dos pés de café se misturava às folhas secas de outono. O vento frio emaranhava os fios de cabelo de Lua, tirando-a de seus pensamentos. Montada em Ventania, cavalgou até a sede da fazenda, de onde avistava o portão de entrada, na esperança de ver as marcas dos pneus da caminhonete de Leonardo, ausente há mais de uma semana.

Quando ainda não se podia distinguir entre o fim do verão e o início da próxima estação, Leonardo se juntou a Alcides, o administrador, que decidiu levar o filho com ele em uma viagem de negócios que resultaria na compra de 30 cabeças de gado Nelori para iniciar a criação da raça nas terras da Ouro Verde.

O vento aumentava com o passar dos dias e Lua, sem notícias, procurava se entreter com os afazeres de casa, evitando as caminhadas matinais que a deixavam mais ansiosa e sem resposta para a ausência prolongada do marido. As semanas atropelavam os dias e Lua se mantinha firme, com expectativas que passavam pela possibilidade de um acidente durante a vigem de Leonardo até uma partida sem volta. 

Nada de gado, nada de Leonardo. Somente as folhas que pelavam as árvores, deixando que o vento circulasse entre os pés de café, na entressafra que anunciava a chegada do inverno. Lua chorou. A sensação era de medo, fracasso, impotência. Duas estações se seguiram e Lua continuava imóvel diante de mais uma aventura de Léo, que podia levar uma semana, meses ou ano. 

A espera por notícias paralisou Lua. Até que o trotar de um cavalo foi ficando mais próximo, passou pela porteira da fazenda e um cavaleiro desceu do animal, amarrou-o no tronco ao lado da porta de entrada da sede e tocou o sino para chamar quem lá estivesse.

Lua, ao escutar o som agudo do sino, fechou a porta do fogão onde a lenha queimava há mais de uma hora e correu para a porta na esperança de notícias. Com suor na testa, as mãos frias, Lua girou a maçaneta de ferro da porta de madeira maciça da sala de estar e  tropeçou em um desconhecido que a encarou, sem mexer os lábios por minutos a fio.

Nas mãos do homem sem voz um papel dobrado, entregue a Lua. Com a missão cumprida, o cavaleiro desconhecido andou até o tronco, com passos largos, desamarrou o animal e partiu sem explicações.

Lua, com o bilhete nas mãos, atravessou a sala de estar, foi até a cozinha e, com o ruído da madeira estalando no fogão, desdobrou o papel e reconheceu a letra de Leonardo. Duas linhas, lidas sem pausa, diziam: gado comprado, quando a lua cheia der espaço para a escuridão das noites frias, você vai ouvir as passadas da boiada chegando e muita história pra contar. Lua sorriu e a cinza do fogão ainda quente representou a chegada de uma nova estação e de um recomeço.

Por Sofia Mathias

Sofia Mathias

Autora Sofia Mathias

Poeta de alma, Sofia Mathias descobriu-se escritora em um momento de dor e reclusão. As palavras trouxeram respostas para suas indagações. Autora de três livros de poemas, De Corpos e Almas e De Choros e Luas, além de coautora do livro Da Janela. Fez parte de uma Antologia de poemas pela editora Chiado e teve seu primeiro livro prefaciado pelo escritor Jorge Amado, pelo qual recebeu o prêmio da APCA de Revelação em Literatura. Formada em Letras pela Universidade de São Paulo e em Comunicação pela FAAP, colaborou em projetos da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Hoje, ministra cursos de Escrita Criativa na FUNCADI, juntamente com Ana Maria Mello, dá aulas de redação para vestibular e é orientadora e redatora de TCCs de diferentes faculdades.

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