Em novo texto, Vanessa Passos discorre sobre a força do romance de Anna Maria publicado pela Quelônio
Diana sangra em silêncio — mas também em flor.

Anna Maria Mello
Há um momento em que o corpo deixa de ser apenas casa e passa a ser batalha. Quando o diagnóstico vem, ele não vem só: traz bisturi, palavras duras, e um espelho que já não reconhece a própria imagem. Montanhas de Diana, de Anna Maria Mello, é a travessia desse abismo. Um romance onde cada página é um passo na montanha do viver — íngreme, cortante, mas também cheia de epifanias.
Diana, a protagonista, é mulher que corre. Mãe de duas adolescentes, produtora de festas para os sonhos dos outros, ex-professora, ex-marido, ex-muitas-coisas. E no meio da correria, o freio: câncer de mama. O tempo agora não se mede em agendas, mas em exames, quimioterapia, reconstruções, que vão do seio e da alma.
Fico me perguntando com melancolia se nós, mulheres, realmente precisamos adoecer para parar? Para olharmos profundamente dentro de nós? E quando isso tudo começou? Quando a sociedade do cansaço começou a nos cobrar perfeição e acreditamos nisso?
Anna Maria Mello escreve com a coragem de quem sabe que a escrita é também cicatriz. Sua prosa é densa, sem ser pesada. É leve, sem ser rasa. Há beleza nas palavras, mesmo quando elas falam de queda de cabelo, de dor fantasma, de um corpo que se despede do que era.
O romance é tecido por dois fios: o da doença — crua, clínica, exaustiva — e o da memória. Diana revisita a infância, a juventude, as heranças que moldaram sua forma de ser mulher. E entende que o câncer é só mais uma das violências que um corpo feminino carrega: junto da frieza dos hospitais, vem o machismo cotidiano, o peso das ausências, o silenciamento histórico.
Mas também há amor. Há filhas que crescem junto com a dor da mãe. Há amigas, há lembranças que aquecem, há uma escrita que se ergue mesmo quando o corpo vacila. Diana não é heroína, e talvez por isso nos comova tanto. Ela é mulher real: forte na vulnerabilidade, inteira na fragmentação.
Montanhas de Diana não é um livro sobre o câncer. É sobre o que o câncer revela: os ruídos, os traumas, mas também as potências esquecidas. É uma narrativa de resistência que é, ao mesmo tempo, literária, emocional, política. Um ato de amor à própria vida, ainda que remendada. Anna Maria Mello entrega um romance necessário e lírico, que transcende o tema da doença para tocar o que é mais humano: a impermanência, a reconstrução, a verdade dos corpos que insistem em viver. Montanhas de Diana merece espaço em clubes de leitura, rodas de mulheres, salas de espera e prateleiras de todos que compreendem que sobreviver também é um gesto de criação.
Por Vanessa Passos
Fonte: portal publishnews, em 08/07/2025
Montanhas de Diana, de Anna Maria Mello
Editora: Quelônio
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