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Rastros de Terra

Antologia Terra, Selo Off Flip 2025

Antologia Terra, Selo Off Flip 2025

“Rastros de Terra”
– conto selecionado,
como destaque dentro
da Antologia TERRA,
do Selo Off FLIP 2025.

 

Caminho sem pressa, com um pé sobre a calçada e outro sobre o asfalto. Meus braços balançam como o pêndulo de um carrilhão, fazendo Tic Tac, Tic Tac. A claridade vinda do topo das árvores me incomoda. Avisto uma pessoa entre os troncos do outro lado da praça. A conheço de quando éramos jovens, sei que se chama Eliza. Sigo margeando a praça, flashes de uma memória imprecisa se apresentam na forma do sorriso dela, tão grande que mostra as gengivas. Eu sentada na cama de Eliza, de pernas cruzadas, escutava-a ler poemas de Hilda Hilst, seu sonho era frequentar a Casa do Sol. De longe, ela parece outra. Não sorri, sua cara fechada me afasta.

Antes de conhecê-la, não lembro se tive família. Faço força para evocar uma lembrança de meus pais, mas só sinto cheiro de terra molhada e a presença de Eliza como um farol. Piso na grama úmida, é uma delícia estar descalça. Para onde estou indo?

Passo por dois homens que conversam:
– Já faz três dias de apagão, perdemos todos os alimentos refrigerados do bar.
– Quero saber quem vai cobrir esse prejuízo.

Eles param quando me aproximo, um deles pergunta se estou bem. Sinto medo e dou um passo para trás. Uma mão pega meu ombro e solto um grito. A mão me impede de sair correndo e quando viro o rosto, encontro Eliza, rugas profundas emolduram seus olhos.
– Como você sai assim sozinha no meio da madrugada, numa chuvarada daquelas?

Ela me abraça e o medo desaparece. Encontro nela o meu lugar, mesmo que a memória escape. Sou guiada para fora da praça enquanto a voz trêmula e familiar de Eliza fala de coisas que não entendo. Paramos ao portão de um sobrado branco com janelas azuis. Resisto em entrar, mas Eliza me empurra com gentileza.

Do lado de dentro, tudo é estranho e escuro. Não entendo por que ela não acende as luzes. Sou acomodada em um sofá, Eliza me cobre com um cobertor enquanto esquenta uma chaleira de água na cozinha. Sentar-me faz com que perceba minhas pernas, doem muito, como se tivesse caminhado por dias.

Eliza volta com um rodo e um balde. Os rastros de terra das minhas pegadas se dissolvem na água.

 

Por Anna Maria Mello

 

Anna Maria Mello é amante da escrita desde que se entende por gente. Paulistana, desde 2015 se dedica à literatura. Pós-graduada em Escrita Literária pelo Instituto Vera Cruz. É autora de três livros. Formada em História pela USP, Atualmente, mestranda da PUCSP em Crítica Literária. As letras transformaram sua vida e abriram novos caminhos.

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