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junho 2020

A onda

A onda - Anna Maria Mello

Com os olhos fixos no mar, estava sentada de pernas esparramadas e pés enterrados na areia. Entre as mãos, um pequeno balde plástico furta-cor. No pescoço, um reluzente crucifixo, presente de sua mãe na primeira eucaristia. Havia completado 11 anos e sabia falar na internet sem gaguejar. Tinha ideias de adulto. 

Se levantou. Chacoalhou os pés, jogou o pequeno balde no chão e foi em direção à mãe.

– Natalia, quero fazer uma tattoo
– Quer o quê?
– Fazer uma tattoo – repetiu revirando os olhos.
– Isso é coisa do demônio.

 Estava de boca aberta. Resolveu ganhar tempo.

– O que você quer tatuar? 
– Uma onda.
– Se você fizer, vai doer.

Carol estava decidida. Bateu o pé no chão e com o dedo apontou o local.

– As crianças de hoje querem cada coisa – disse a mãe em voz alta. Não sabia nem o que era tatuagem. Pegava jacaré nas ondas com uma prancha de isopor.
– Você sabia que tatuagem dói?
– Dói nada.

Natália desistiu, pegou seu livro na cadeira ao lado. Mergulhou nas páginas afastou-se da filha.

Carol deu as costas para mãe e foi em direção ao mar. Colocou os pés na água que batia em seu tornozelo. Andou alguns metros. A água respingou em sua barriga e peito. Veio uma onda que a tragou.

Quando Carol acordou, estava na areia, nos braços de Pedro, o vizinho da casa da frente. A seu lado, uma prancha escrita “New Wave”.

A mãe respirava ofegante. 

 – Que susto. Falei que não era para ir no fundo.

Carol tinha os olhos em Pedro. Não havia percebido o quanto ele era musculoso.  Ele perguntou se ela estava melhor, se podia levá-la para casa. Ela balançou a cabeça de modo afirmativo.

À noite, já na cama com sua mãe, voltou a pensar na tatuagem. Agora faria duas. Olhou para seu braço esquerdo, imaginando como ficaria o nome de Pedro tatuado ali. 

Texto produzido na Oficina de Escrita Criativa do Prof. Dr. Antônio de Assis Brasil

Por Anna Maria Mello

E o vento disse…

O que foi dito tem registro na alma,
Ou se dissipa no ar.
O não dito cria feridas
E abastece o falso ser, ou não ser.
Dito pelo não dito cria imagens à toa, à tona,
Que vestem o que na realidade ainda nem existiu.
Nem sempre se pode dizer o que vem na alma
E o falso dito prevalece.
O que fazer?
Dizer, não dizer?
Dite palavras
Para que elas digam a verdade,
Nada mais que a verdade
E que possam florescer em campos áridos.
Diga o que quiser!
Não escute o eco de suas palavras,
Apenas diga.
O dito está dito,
Volta com o vento,
Ouvinte fiel,
Dono das razões e dos segredos do mundo.

Por Sofia Mathias