Com os olhos fixos no mar, estava sentada de pernas esparramadas e pés enterrados na areia. Entre as mãos, um pequeno balde plástico furta-cor. No pescoço, um reluzente crucifixo, presente de sua mãe na primeira eucaristia. Havia completado 11 anos e sabia falar na internet sem gaguejar. Tinha ideias de adulto. 

Se levantou. Chacoalhou os pés, jogou o pequeno balde no chão e foi em direção à mãe.

– Natalia, quero fazer uma tattoo
– Quer o quê?
– Fazer uma tattoo – repetiu revirando os olhos.
– Isso é coisa do demônio.

 Estava de boca aberta. Resolveu ganhar tempo.

– O que você quer tatuar? 
– Uma onda.
– Se você fizer, vai doer.

Carol estava decidida. Bateu o pé no chão e com o dedo apontou o local.

– As crianças de hoje querem cada coisa – disse a mãe em voz alta. Não sabia nem o que era tatuagem. Pegava jacaré nas ondas com uma prancha de isopor.
– Você sabia que tatuagem dói?
– Dói nada.

Natália desistiu, pegou seu livro na cadeira ao lado. Mergulhou nas páginas afastou-se da filha.

Carol deu as costas para mãe e foi em direção ao mar. Colocou os pés na água que batia em seu tornozelo. Andou alguns metros. A água respingou em sua barriga e peito. Veio uma onda que a tragou.

Quando Carol acordou, estava na areia, nos braços de Pedro, o vizinho da casa da frente. A seu lado, uma prancha escrita “New Wave”.

A mãe respirava ofegante. 

 – Que susto. Falei que não era para ir no fundo.

Carol tinha os olhos em Pedro. Não havia percebido o quanto ele era musculoso.  Ele perguntou se ela estava melhor, se podia levá-la para casa. Ela balançou a cabeça de modo afirmativo.

À noite, já na cama com sua mãe, voltou a pensar na tatuagem. Agora faria duas. Olhou para seu braço esquerdo, imaginando como ficaria o nome de Pedro tatuado ali. 

Texto produzido na Oficina de Escrita Criativa do Prof. Dr. Antônio de Assis Brasil

Por Anna Maria Mello

Autora Anna Maria Mello

Amante da escrita desde que se entende por gente, paulistana, enveredou-se pelos caminhos da história, na Universidade de São Paulo, no início dos anos 90. Desde 2015, se dedica à literatura. Pós-graduada em Escrita Literária, formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz e na PUC-RS foi Aluna da Oficina de Escrita Assis Brasil. É autora de Cabelos vão Cabelos vêm o que é que a Mamãe tem, coautora do livro Da Janela. Participou de diversas antologias. Hoje, com Sofia Mathias ministra curso de Escrita Criativa em São Paulo e é mestranda da PUCSP em Crítica Literária. As letras transformaram sua vida e abriram novos caminhos.

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