Para Bertha que sempre será querida.
Não escrevo para lhe pedir perdão, mas para perdoar a mim mesma. Um dia se propuser a lê-la, talvez surpreenda com minhas confissões .O que cabe à mim é esse momento da escrita, o que vem depois não me interessa. Na ocasião do rompimento de nossa amizade, buscava no Diego, algo que faltava em mim. Nada me satisfazia, ao ponto de não discernir o que era certo. Havia me transformado em alguém obcecada por reconstruir uma família .Sabe daquelas de contos de fada.
Na época que nos conhecemos erámos muito parecidas, ambas recém separadas, o que queríamos eram momentos de distração. O objetivo era qualquer coisa que nos tirasse da rotina. Complementávamos como, cama e cobertor, vaso e flor, vestido decotado e peitos abundantes. Seus gostos se tornaram os meus, sua casa era a minha e a minha a sua, tínhamos uma a outra, como irmãs gêmeas ligadas a mesma placenta. Acreditava que nunca iriamos nos separar. Erámos o sagrado como mães, protegíamos ferozes nossos lares,e o profano nos labirintos das madrugadas. Aos poucos, independente de nossos parceiros, criamos uma cumplicidade. Trocávamos confidencias e falávamos de outras pessoas como se focemos o centro do universo. Eu mais do que você. Naquela época antes de atender seus telefonemas já sabia que era hora da fofoca.Com o passar dos anos fui perdendo a alegria e o desejo da diversão. Não fui honesta para lhe dizer, o que se passava comigo. Naquele momento o medo de perdê-la era maior. Na carreira, escolhas do passado assombravam. Amargurava ter sido abandonada por pais biológicos Dizia estar bem, quando perguntava a respeito. Com a morte da mãe que me criou, a situação agravou. Rompeu-se o elo que unia minha irmã, marido e família. Apesar de você não tê-la conhecido, era para mim o reflexo distorcido desse elo, Formou-se um paradoxo. O vazio transformou meus dias em um tapete eu uma cópia barata de Penelope. Sobre isso nunca falei. Queria transparecer leve, descongestionada, enquanto nas veias o sangue cristaliza. Criou-se um espaço onde Diego pode me puxar para além da correnteza em um mar que a tempo vinha engolindo água me deixando ser tragada até naufragar.
O traço de minha escrita é o resultado dessas veias. Nesse momento que assino, já não pertenço ao corpo que compartilha as nossas lembranças. A cada palavra os contornos das letras pulsão expurgando o não dito. O corpo dobra-se sobre o papel como se quisesse depositar sobre ele o peso do tempo que não volta mais. E a ele só cabe a memória.
São Paulo, 20 de novembro de 2015.
Por Anna Maria Mello
Anna Maria Mello é amante da escrita desde que se entende por gente. Paulistana, desde 2015 se dedica à literatura. Pós-graduada em Escrita Literária pelo Instituto Vera Cruz. É autora de três livros. Formada em História pela USP, Atualmente, mestranda da PUCSP em Crítica Literária. As letras transformaram sua vida e abriram novos caminhos.