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Entrevista

Entrevista para Coluna Cultura em Foco, Jornal Tribuna Liberal De Sumaré

Coluna Cultura em Foco – Por Wesley Silva
Entrevista com a autora Anna Maria Mello @anna.escritora

Redação: Evelyn Ruani – Coordenadora Técnica Educacional das Bibliotecas Escolares do SESI-SP, criadora de conteúdos literários e leitora compulsiva! Apaixonada por livros e palavras.

Anna Maria Mello é amante da escrita desde que se entende por gente, paulistana, enveredou-se pelos caminhos da história (USP). Pós-graduada em Escrita Literária, formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz e na PUC-RS, cursou a Oficina de Escrita do professor doutor Assis Brasil, com formação em conto.
Mestre em Crítica Literária pela PUC SP, especializada em Literatura Contemporânea Brasileira e doutoranda em Processo de Criação Literária pela PUC SP. Atualmente participa do Grupo de Pesquisa de Literatura para Jovens da PUC SP(CNPQ). É autora de Cabelos vão Cabelos vêm o que é que a Mamãe tem, coautora do livro Da Janela. Participou de diversas antologias publicadas em âmbito nacional.

Vem comigo conhecer um pouco mais sobre essa autora e sua obra:

Anna, “Montanhas de Diana” traz uma narrativa profundamente pessoal. Como foi o processo de transformar uma vivência tão íntima em ficção?

Para mim a escrita desta ficção foi mais difícil do que outros livros que escrevi. Partir de uma vivência pessoal requereu um maior afastamento, portanto mais versões, e mais tempo de escrita. Achar este limite entre a ficção e real, enfim, encontrar a voz de uma personagem que não sou eu exatamente mais que parte da minha experiência pessoal, demorou um certo tempo e amadurecimento dessa escrita.

A protagonista, Diana, é uma mulher forte e bem-sucedida, mas também esgotada pelas exigências do trabalho e da vida. Em que aspectos ela se aproxima de você e em quais vocês se distanciam?

Diana sou eu e inúmeras mulheres fortes, que criam seus filhos sozinhas e que independentemente de serem bem-sucedidas ou não, trabalham muito e se esquecem de cuidar delas. Me distancio de Diana porque sempre fui unida às minhas filhas, e elas a mim. Nesse livro quis mostrar que a doença não é só da personagem Diana, mas sim de todos os familiares que estão ao redor. Recebi vários e-mails perguntando sobre as atitudes de Mia e Beka, se elas eram minhas filhas e porque me tratavam assim. Mas esquecem que estão lendo uma ficção e os personagens são apenas personagens. Eu os criei para darem um efeito de sentido à leitura, e com eles algumas reflexões.

O câncer de mama é um tema delicado e ainda cercado de tabus. Qual foi o seu maior desafio ao abordar esse assunto de forma tão sincera e poética?

Ah esta foi uma boa pergunta. Antes de escrever qualquer assunto, leio vários livros do mesmo tema. Parto de pesquisas. Faz parte do meu processo de criação. Vai muito além da minha vivência pessoal. Eu queria trazer esse tema do câncer de Mama para a literatura, de uma forma que não fosse um livro difícil de ler, mas ao mesmo tempo queria uma escrita literária. Escrever de uma forma fluida e suave foi um grande desafio.

Além da jornada de tratamento, o livro também mergulha em memórias da infância e juventude. Como essas lembranças ajudam a construir a identidade da personagem e o enredo da obra?

Para encontrar uma forma de construir essa Diana do presente, mergulhei em suas memórias para que o leitor pudesse conhecer um pouco mais sobre ela. Como seu corpo se transformou. Cenas de abuso que muitas Dianas sofrem ao longo de suas vidas. Mas também o recurso de flashbacks por sua vez vem para suavizar a escrita e tirar o leitor dos momentos de tensão do hospital.

Você menciona que o livro trata também da frieza dos homens, da instrumentalização da medicina e do estigma do câncer. Como essas questões atravessam a narrativa e o corpo da personagem?

Esta frieza, acredito que seja por ainda estarmos vivendo numa época em que o machismo impera, onde a medicina tem que se humanizar mais. Ainda há muitos médicos homens brancos e que se acham superiores aos pacientes. A personagem Diana é fruto desse mundo e traz com elas as marcas em seus peitos. Claro que sempre há exceções.

A escrita parece ocupar um lugar de resistência e reconstrução na sua trajetória. Em que medida escrever Montanhas de Diana foi também uma forma de cura?

Com certeza na primeira versão do livro foi uma escrita de cura e libertação, à medida que a escrita foi se consolidando ela já estava em outro estágio, o da superação. Na primeira versão do livro havia um personagem que largaria a mulher depois do diagnóstico. Assim como na minha vida real. Percebi que na segunda versão não precisaria mais dele. Já havia me curado. Acredito que toda escrita tem poder de cura, seja de temas fraturantes ou não.

Como sua formação acadêmica em História, Crítica Literária e Escrita Criativa influenciou a construção da narrativa e da linguagem do livro?

Sem dúvida todas essas minhas formações influenciaram na escrita desse livro. Sem elas talvez teria sido outro modo de contar. Acredito que o trabalho com a palavra, a fluidez da escrita, minhas leituras e pesquisas do tema foram de muita valia para essa escrita. Da história eu trago a mitologia para dentro do livro com a personagem Diana. Da Escrita Criativa eu trago a construção da personagem Central e técnicas de escrita como começar o livro em Média rez. Da crítica literária eu trago alguns recursos como a intertextualidade por exemplo. Sou grata a todas as minhas formações e em especial a meu Doutorado que está prestes a ser concluído em processo de criação o que faz da minha escrita ser carregada desses aprendizados.

Durante a leitura, o corpo da mulher e sua transformação são temas centrais. O que você gostaria que as leitoras (e leitores) levassem dessa reflexão?

Eu gostaria que elas fizessem uma reflexão sobre seu próprio corpo, como essas marcas ao longo da vida vão somatizando internamente e acabamos adoecendo. Que esse seja um livro que nos faça acreditar nessa força feminina e que nada e ninguém possa nos afetar. Que seja para além de leitoras ou leitores que atravessaram ou estão atravessando por esse momento do câncer, mas que possa ser uma reflexão de como estão suas vidas hoje e como podemos passar por momentos difíceis e superá-los.

Você lançou o livro na FLIP 2024, um espaço de grande destaque literário. Como foi essa experiência e qual tem sido o retorno do público até agora?

Eu fiz um pré-lançamento para amigos na livraria Bíblia elogo de cara foi um sucesso. Em seguida para o público em geral na Flip. Para a surpresa ele alcançou diferentes faixas etárias e tenho tido feedbacks positivos sobre como trabalhei de forma suave um tema tão impactante. Muitos homens também se sensibilizaram com o tema, o que me deixa bastante feliz. Um livro de literatura que se lê de uma vez. No meu site www.escrevarte.com vocês podem constatar como o público está aceitando Montanhas de Diana que carrega para mim um tema tão caro. Pois além da minha experiência sou ativista na causa do câncer de mama.

Livro: Montanhas de Diana, Editora: Quelônio

— Versão digital Amazon Kindle
Após ler, comente e avalie pela Amazon — isso faz toda a diferença!

SERVIÇO – Blog: http://blogentreaspas.com – Instagram: @blog_entreaspas

Memória e autoficção | Entrevista para o site Caixa Preta, por Paulo Henrique Passos

O professor de criação literária Stephen Koch escreveu, no seu livro Oficina de escritores: Um manual para a arte da ficção, que “o vínculo íntimo entre ficção e não-ficção é quase tão antigo quanto a literatura”

Pode-se dizer que a nossa convidada de hoje também reconhece esse fato. Mais do que isso, ela se alimenta desse fato para escrever. Por falar em fato, na nossa conversa, falamos sobre as relações entre fato e ficção.

Anna Maria Mello (@anna.escritora) é autora do romance Montanhas de Diana (Quelônio, 2024 @editoraquelonio) que mostra as memórias e desafios de uma mulher que precisa enfrentar um câncer de mama.

Na conversa que tive com ela, falamos sobre o so da memória como recurso literário, diferença entre realidade e ficção na escrita, formação acadêmica e oficinas literárias e sobre muito mais.

Vale ler até o final.

O recurso da memória é muito presente no seu romance Montanhas de Diana.
Qual a importância da memória para a sua escrita literária?

Romance Montanhas de Diana,
de Anna Maria Mello

O processo de criação de cada livro é um livro. Esse foi pensado nesse formato, trazendo essa memória da personagem da infância e da adolescência, da criação do corpo feminino, dos seios dela que vão crescendo, das coisas que ela sofreu também, violências contra o corpo feminino — tudo isso para desencadear o momento presente, que é o câncer.

Associei a momentos de memória mais light, para amenizar um pouco a escrita. Esses flashbacks vêm como uma técnica para tirar o leitor do tempo presente, que é um tempo de tensão, onde ela está doente e internada. Então, vêm como um recurso literário essas memórias.

Como você enxerga a relação entre memória e ficção?

A memória também é uma ficção, porque é o ponto de vista. Pode beirar o real, mas é o ponto de vista do autor que transforma em ficção. Para mim, a memória é um recurso que a gente utiliza para escrever a ficção, mas ela não tem nada a ver com a realidade, porque já é transformada.

Montanhas de Diana é uma autoficção? Fale um pouco sobre isso.

Sim, é uma autoficção. Eu tive câncer, tenho duas filhas, tive amigas que me ajudaram, e muitas passagens são reais da minha história. Mas também há partes ficcionais.

Quarta capa do romance Montanhas de Diana,
de Anna Maria Mello

Foi baseado em fatos reais, mas também tive muito contato com pessoas que tiveram câncer. Sou ativista na causa. Coleti dados para formar o livro. Não é só a minha história, é a história de muitas Dianas. As amigas são personagens ficcionais. Os nomes também. Minhas filhas não são como descrevi. Tem partes baseadas na minha história e outras que são ficcionais ou baseadas em outras histórias.

Diana, na mitologia romana, é a deusa da lua, da caça, da natureza selvagem e dos animais. Ela também é associada ao parto, à fertilidade e à proteção das mulheres. Como foi o processo de dar o nome ao seu romance Montanhas de Diana?

O nome da personagem foi a última coisa que coloquei, porque queria algo muito bem pensado. Diana é parte do meu nome. Isso mistura ficção e realidade. Sou historiadora, fiz um curso na USP sobre mitologia, sou muito ligada à mitologia grega. Gosto muito particularmente, e acho um nome forte, que carrega força. A personagem precisava de um nome assim.

Diana, a personagem central, sendo mãe de duas meninas, se vê entre dois desafios: se cuidar para se recuperar do câncer de mama e cuidar das filhas. Qual você acha que é o maior desafio de uma mãe hoje?

É muito difícil se cuidar e ter filhas nesse momento, ainda mais sem um pai presente. Muitas Dianas por aí não têm suporte familiar. Às vezes o marido larga, ou não há pai. Precisa de uma rede de apoio.

Cabelos vão, cabelos vem, de Anna Maria Mello

A personagem vai para a casa do pai biológico. Minha filha, na época, tinha 15 anos e foi morar com o pai porque eu não estava conseguindo lidar com tudo. Escrevi um livro infantil chamado Cabelos vão, cabelos vêm: o que é que a mamãe tem?, para contar aos filhos que a mãe está doente. Esse livro foi um best-seller e até hoje dou para muitas mães.

A literatura pode ajudar a se identificar com a personagem. Muitas mães cuidam dos filhos e esquecem de si. A personagem trabalhava muito e acabou adoecendo. Às vezes a mulher não faz exame, não faz mamografia após os 40 anos, ou ultrassom a partir dos 35 se houver histórico familiar. Se pegar no início, é mais fácil. No estágio intermediário, como foi o caso da Diana, o tratamento é mais pesado. Por mais que se seja mãe, é preciso se cuidar, independente de tudo.

Você é ativista pela causa do câncer de mama. Como a experiência como ativista influenciou na escrita do seu livro?

Sim, sou ativista. Vi muitas realidades. Me envolvi com pessoas de todos os níveis sociais. É uma doença que nivela as pessoas.

Vi uma menina com 25 anos, de família riquíssima, com câncer agressivo. Mesmo com recursos, sofreu muito, ficou estéreo, perdeu o cabelo, o namorado a deixou. Também frequentei o SUS, participei de grupos com pessoas com câncer. Às vezes falta até sabonete para o pós-operatório. Eu mesma perdi dentes com o tratamento. O corpo muda: é o dente, a mama, os cabelos, a sobrancelha. A mulher deixa de se reconhecer.

Por isso, essa questão do corpo está presente no livro. Ser ativista me influenciou muito. Fiz pesquisa com mulheres. Essa não é só a minha história — é a história de todas essas mulheres e de suas famílias.

Eu queria que fosse um livro de muitas Dianas, guerreiras, pessoas que lutam contra essa doença. Que esse livro sirva para que outras mulheres se identifiquem com a personagem e tenham força para lutar.

Você fez a Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz e a Oficina de Criação Literária com o professor e escritor Assis Brasil. Qual foi o seu maior aprendizado no estudo da escrita literária?

Mikhail Bakhtin, filósofo da linguagem, historiador e teórico da literatura e da cultura russo

Além da Formação de Escritores e da Oficina, fiz mestrado em crítica literária na PUC e estou finalizando o doutorado. Toda essa formação influencia na escrita com técnicas de fluidez e intertextualidade.

Leio muito, praticamente todos os dias. Sempre fui uma excelente leitora desde a infância, e isso me deu facilidade com a escrita.

Esse livro teve um processo de criação diferente. Havia um personagem masculino que retirei na última hora porque achei que tirava a força da protagonista. A última versão foi muito trabalhada.

Tenho um processo de criação e técnica de escrita para cada livro. Hoje penso muito bem nos personagens e nas suas reações. Estudo personagem filosoficamente, trago Bakhtin, intertextualidade, e outros recursos que vêm das minhas formações. Já estou com novos projetos em andamento, com outros processos de criação, que não têm relação com autoficção.

Entrevista realizada por Paulo Henrique Passos do site Caixa Preta Entrevista, em 13/06/2025

Caixa-preta é um site de entrevista com escritores e escritoras. 
E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.

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