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Memória e autoficção | Entrevista para o site Caixa Preta, por Paulo Henrique Passos

O professor de criação literária Stephen Koch escreveu, no seu livro Oficina de escritores: Um manual para a arte da ficção, que “o vínculo íntimo entre ficção e não-ficção é quase tão antigo quanto a literatura”

Pode-se dizer que a nossa convidada de hoje também reconhece esse fato. Mais do que isso, ela se alimenta desse fato para escrever. Por falar em fato, na nossa conversa, falamos sobre as relações entre fato e ficção.

Anna Maria Mello (@anna.escritora) é autora do romance Montanhas de Diana (Quelônio, 2024 @editoraquelonio) que mostra as memórias e desafios de uma mulher que precisa enfrentar um câncer de mama.

Na conversa que tive com ela, falamos sobre o so da memória como recurso literário, diferença entre realidade e ficção na escrita, formação acadêmica e oficinas literárias e sobre muito mais.

Vale ler até o final.

O recurso da memória é muito presente no seu romance Montanhas de Diana. Qual a importância da memória para a sua escrita literária?

O processo de criação de cada livro é um livro. Esse foi pensado nesse formato, trazendo essa memória da personagem da infância e da adolescência, da criação do corpo feminino, dos seios dela que vão crescendo, das coisas que ela sofreu também, violências contra o corpo feminino — tudo isso para desencadear o momento presente, que é o câncer.

Romance Montanhas de Diana, de Anna Maria Mello

Associei a momentos de memória mais light, para amenizar um pouco a escrita. Esses flashbacks vêm como uma técnica para tirar o leitor do tempo presente, que é um tempo de tensão, onde ela está doente e internada. Então, vêm como um recurso literário essas memórias.

Como você enxerga a relação entre memória e ficção?

A memória também é uma ficção, porque é o ponto de vista. Pode beirar o real, mas é o ponto de vista do autor que transforma em ficção. Para mim, a memória é um recurso que a gente utiliza para escrever a ficção, mas ela não tem nada a ver com a realidade, porque já é transformada.

Montanhas de Diana é uma autoficção? Fale um pouco sobre isso.

Sim, é uma autoficção. Eu tive câncer, tenho duas filhas, tive amigas que me ajudaram, e muitas passagens são reais da minha história. Mas também há partes ficcionais.

Quarta capa do romance Montanhas de Diana, de Anna Maria Mello

Foi baseado em fatos reais, mas também tive muito contato com pessoas que tiveram câncer. Sou ativista na causa. Coleti dados para formar o livro. Não é só a minha história, é a história de muitas Dianas. As amigas são personagens ficcionais. Os nomes também. Minhas filhas não são como descrevi. Tem partes baseadas na minha história e outras que são ficcionais ou baseadas em outras histórias.

Diana, na mitologia romana, é a deusa da lua, da caça, da natureza selvagem e dos animais. Ela também é associada ao parto, à fertilidade e à proteção das mulheres. Como foi o processo de dar o nome ao seu romance Montanhas de Diana?

O nome da personagem foi a última coisa que coloquei, porque queria algo muito bem pensado. Diana é parte do meu nome. Isso mistura ficção e realidade. Sou historiadora, fiz um curso na USP sobre mitologia, sou muito ligada à mitologia grega. Gosto muito particularmente, e acho um nome forte, que carrega força. A personagem precisava de um nome assim.

Diana, a personagem central, sendo mãe de duas meninas, se vê entre dois desafios: se cuidar para se recuperar do câncer de mama e cuidar das filhas. Qual você acha que é o maior desafio de uma mãe hoje?

É muito difícil se cuidar e ter filhas nesse momento, ainda mais sem um pai presente. Muitas Dianas por aí não têm suporte familiar. Às vezes o marido larga, ou não há pai. Precisa de uma rede de apoio.

Cabelos vão, cabelos vem, de Anna Maria Mello

A personagem vai para a casa do pai biológico. Minha filha, na época, tinha 15 anos e foi morar com o pai porque eu não estava conseguindo lidar com tudo. Escrevi um livro infantil chamado Cabelos vão, cabelos vêm: o que é que a mamãe tem?, para contar aos filhos que a mãe está doente. Esse livro foi um best-seller e até hoje dou para muitas mães.

A literatura pode ajudar a se identificar com a personagem. Muitas mães cuidam dos filhos e esquecem de si. A personagem trabalhava muito e acabou adoecendo. Às vezes a mulher não faz exame, não faz mamografia após os 40 anos, ou ultrassom a partir dos 35 se houver histórico familiar. Se pegar no início, é mais fácil. No estágio intermediário, como foi o caso da Diana, o tratamento é mais pesado. Por mais que se seja mãe, é preciso se cuidar, independente de tudo.

Você é ativista pela causa do câncer de mama. Como a experiência como ativista influenciou na escrita do seu livro?

Sim, sou ativista. Vi muitas realidades. Me envolvi com pessoas de todos os níveis sociais. É uma doença que nivela as pessoas.

Vi uma menina com 25 anos, de família riquíssima, com câncer agressivo. Mesmo com recursos, sofreu muito, ficou estéreo, perdeu o cabelo, o namorado a deixou. Também frequentei o SUS, participei de grupos com pessoas com câncer. Às vezes falta até sabonete para o pós-operatório. Eu mesma perdi dentes com o tratamento. O corpo muda: é o dente, a mama, os cabelos, a sobrancelha. A mulher deixa de se reconhecer.

Por isso, essa questão do corpo está presente no livro. Ser ativista me influenciou muito. Fiz pesquisa com mulheres. Essa não é só a minha história — é a história de todas essas mulheres e de suas famílias.

Eu queria que fosse um livro de muitas Dianas, guerreiras, pessoas que lutam contra essa doença. Que esse livro sirva para que outras mulheres se identifiquem com a personagem e tenham força para lutar.

 Você fez a Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz e a Oficina de Criação Literária com o professor e escritor Assis Brasil. Qual foi o seu maior aprendizado no estudo da escrita literária?

Mikhail Bakhtin, filósofo da linguagem, historiador e teórico da literatura e da cultura russo

Além da Formação de Escritores e da Oficina, fiz mestrado em crítica literária na PUC e estou finalizando o doutorado. Toda essa formação influencia na escrita com técnicas de fluidez e intertextualidade.

Leio muito, praticamente todos os dias. Sempre fui uma excelente leitora desde a infância, e isso me deu facilidade com a escrita.

Esse livro teve um processo de criação diferente. Havia um personagem masculino que retirei na última hora porque achei que tirava a força da protagonista. A última versão foi muito trabalhada.

Tenho um processo de criação e técnica de escrita para cada livro. Hoje penso muito bem nos personagens e nas suas reações. Estudo personagem filosoficamente, trago Bakhtin, intertextualidade, e outros recursos que vêm das minhas formações. Já estou com novos projetos em andamento, com outros processos de criação, que não têm relação com autoficção.

Entrevista realizada por Paulo Henrique Passos do site Caixa Preta Entrevista, em 13/06/2025

Caixa-preta é um site de entrevista com escritores e escritoras. 

E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.

Links: @paulohenrique.passos e caixapretaentrevista.com

Duas vozes, dois corpos: romances de estreia revelam experiências femininas com coragem e sensibilidade

Livros de Anna Maria Mello e Andrea Nunes
Anna Maria Mello e Andrea Nunes lançam livros sobre maternidade e resiliência feminina. Obra de Anna foi lançada na FLIP 2024; Andrea inicia pré-venda com paratextos de Ana Holanda e Vanessa Passos.
Anna Maria Mello e Andrea Nunes lançam livros sobre maternidade e resiliência feminina. Obra de Anna foi lançada na FLIP 2024; Andrea inicia pré-venda com paratextos de Ana Holanda e Vanessa Passos.

Duas estreias literárias brasileiras, escritas por mulheres e centradas em experiências transformadoras do corpo feminino, chegam ao público com propostas que unem ficção, autobiografia e reflexão crítica. Enquanto Anna Maria Mello aborda o câncer de mama como jornada estética, emocional e existencial no romance “Montanhas de Diana” (Editora Quelônio), Andrea Nunes mergulha nas memórias da maternidade real em “Engravidei”, publicado pelo Grupo Editorial Caravana. Ambas as obras são marcadas por narrativas íntimas e honestas que provocam empatia e identificação.

Anna Maria Mello - livro Montanhas de Diana
Anna Maria Mello lança “Montanhas de Diana”, romance que narra a travessia de uma mulher com câncer de mama

Lançado na FLIP 2024, Montanhas de Diana é o novo romance de Anna Maria Mello, escritora, pesquisadora e doutoranda em Processo de Criação Literária pela PUC-SP. Com linguagem lírica e intensa, o livro narra a história de Diana, uma mulher de 45 anos, mãe de duas adolescentes e produtora de eventos, cuja rotina agitada é interrompida pelo diagnóstico de câncer de mama.

A partir dessa ruptura, Diana é forçada a revisitar seu passado e enfrentar a transformação do próprio corpo, os efeitos colaterais do tratamento e os descompassos da vida familiar e afetiva. Inspirado em vivências da própria autora, o romance é, ao mesmo tempo, um relato corajoso e poético sobre doença, feminilidade e reinvenção. “Montanhas” que antes pareciam intransponíveis são vencidas através da reconstrução da identidade e da escuta das memórias.

O livro denuncia também a frieza da medicina, o estigma em torno do câncer e a violência simbólica que recai sobre corpos adoecidos e femininos. Anna, que já publicou livros infantis, antologias e é mestre em Crítica Literária pela PUC-SP, utiliza sua experiência como pesquisadora e escritora para dar à narrativa profundidade e força emocional.

Instagram: @anna.escritora e @escrevarte.ssp

Serviço:

Livro: Montanhas de Diana
Editora: Quelônio

Número de páginas: 152 páginas
Onde encontrar:

— Amazon— Editora Quelônio
— Versão digital Amazon Kindle
Após ler, comente e avalie pela Amazon — isso faz toda a diferença!
Livro Engravidei, Andrea Nunes
Andrea Nunes estreia na ficção com “Engravidei”, romance sobre a maternidade real e a reinvenção de si

Com paratextos assinados por Ana Holanda e Vanessa Passos, Engravidei marca a estreia de Andrea Nunes no romance. A autora, que mantém a newsletter autoral Andrea Me Conta, lança a obra em pré-venda pelo Grupo Editorial Caravana. A narrativa parte de uma descoberta simples, mas simbólica: ao encontrar o antigo blog de gravidez, uma mulher revisita, dez anos depois, as angústias e expectativas que marcaram sua primeira gestação.

Ao reler os textos do passado, a narradora se confronta com a mãe que foi e a mulher que se tornou. Em meio a medos, confissões e episódios divertidos, o livro oferece um retrato afetivo e crítico da maternidade real, longe dos idealismos. “O livro traz um contraponto de uma mulher grávida do seu primeiro filho olhando para o seu passado dez anos depois. E esse olhar para o passado traz uma reflexão sobre a capacidade de mudança e reinvenção de si como mulher — não se limitando somente a ser uma progenitora”, afirma Andrea.

Caipira de Jaú–SP, radicada na capital paulista, Andrea é publicitária, marqueteira e sapateadora nas horas livres. Aos 40 anos, decidiu investir na escrita como forma de reconexão consigo mesma — e encontrou voz própria no humor sensível e na sinceridade com que trata as alegrias e contradições da maternidade. Engravidei é baseado em fatos e dialoga diretamente com mulheres que também aprenderam a se refazer nas entrelinhas da rotina e do cuidado.

Instagram: @andreameconta
Newsletter: andreameconta.substack.com

Serviço:
Livro: Engravidei
Grupo Editorial Caravana

Número de páginas: 144 páginas

Onde encontrar: << clique aqui >>